Mariana Londres, de Brasília
Tais Araújo em palestra onde disse que cor do filho faz as pessoas mudarem de calçada no BrasilReprodução/YouTube
Duas questões envolvendo o racismo geraram debates intensos nas últimas semanas. A primeira foi a ‘brincadeira’ do jornalista William Waack em conversa fora do ar, dizendo que buzinar era ‘coisa de preto’. A segunda foi um meme compartilhado pelo presidente da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação), Laerte Rimoli, ironizando uma declaração da atriz Taís Araújo, que disse em uma palestra que a cor do filho dela faz com que as pessoas mudem de calçada no Brasil. Após a repercussão, Laerte Rimoli pediu desculpas e apagou o post.
Para a pesquisadora Marjorie Nogueira Chaves, do Núcleo Estudos Afro-brasileiros (Neab) da UnB (Universidade de Brasília), é muito perigoso colocar algumas questões, como o racismo, no âmbito do humor, da brincadeira.
— Infelizmente a gente como sociedade tende a colocar algumas questões muito sérias no âmbito do humor, o que eu acho extremamente perigoso. As pessoas falam que existe uma censura, mas isso não é censura não. Eu acho que deveria existir bom senso em relação a determinados temas. Quando a gente fala de racismo a gente fala de uma realidade do Brasil. A gente está falando de 54% da população. Não é um direito de minoria, a gente está falando de uma maioria. Então as revelações do Laerte Rimoli e do William Waack não agridem apenas uma pessoa a que se direcionou o comentário. Atinge a população brasileira. No caso do presidente da EBC é mais grave porque é um gestor público que desconhece a realidade a qual ele faz parte. E ironiza de forma pública com declarações desagradáveis e ofensivas.
Para Marjorie, no caso de Rimoli o ataque foi ainda mais grave pois se dirigiu a uma mãe que mostrava preocupação com a situação do filho negro.
— Me chamou atenção ele ter ironizado uma mãe que zela pela segurança do seu filho. É compreensível que ela tenha essa preocupação porque o número de homicídios na juventude negra é absurdo e parte desses homicídios são executados por agentes públicos de segurança. O Estado que deveria zelar pela população negra é, também, agente dessa violência.
A pesquisadora conclui dizendo que a polarização em torno do tema sinaliza que o debate sobre racismo na sociedade brasileira ainda não é maduro, é tratado como se fosse ‘gosto’, ou algo a se concordar ou discordar. Para ela, é crime.
— Eu acho que houve mudança nos últimos anos no sentido de falarmos mais sobre o racismo e de uma forma mais aberta, mais ampla. No entanto esse debate não é maduro. Para grande parte das pessoas, o discurso do racismo enfrenta alguns entraves. Os nossos valores, por mais que ainda estejamos na modernidade, os valores ainda não muito coloniais. E da forma como a mídia trata a questão racial, como se pudesse ser debatida como um gosto. Eu gosto ou não. Concordo ou não. Não é assim. Racismo é crime que deixa a população negra em uma situação degradante. Não acho que haja polaridade, estamos falando de algo muito grave, da reprodução do racismo, que é um crime. Está na nossa Constituição desde 1988. Essa polarização não deveria existir, todas as pessoas deveriam estar envolvidas no debate de uma forma mais madura.
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