Divulgação
Uma suposta quadrilha teria aplicado, no Pará, um dos maiores golpes do Brasil na concessão de empréstimos consignados ao funcionalismo. A estimativa de fontes do setor é que o rombo atinja R$ 35 milhões, em duas instituições financeiras, podendo chegar a muito mais, caso venham a ser contabilizados como prejuízos também nos empréstimos concedidos irregularmente pelo Banco do Estado do Pará (Banpará), a partir de informações falsas inseridas pelos golpistas no sistema informatizado de controle desses pagamentos. Mais de 2.500 funcionários públicos estaduais, todos efetivos e entre eles centenas de policiais militares, teriam sido beneficiados pelas fraudes. Pior: o golpe começou a ser detectado em maio de 2015, mas até agora o governo Jatene pouco fez para desarticular a quadrilha.
Consignações são descontos realizados na folha de pagamento do Governo, diretamente da remuneração do servidor (ele já recebe o salário com esse desconto). Elas podem ser compulsórias ou facultativas. As primeiras são decorrentes de leis ou mandados judiciais (pensões alimentícias e descontos para o INSS, por exemplo). As segundas advêm de convenções coletivas, acordos ou contratos formais, devidamente aprovados pelo órgão em que ele trabalha. É aqui que entram os empréstimos consignados, que os funcionários públicos obtêm junto a instituições financeiras.
Para conseguir o dinheiro, eles concedem uma autorização irrevogável para o desconto em folha das prestações devidas. No entanto, há um limite, a chamada “margem consignável”. Ela inclui as consignações compulsórias e facultativas e é de um terço da remuneração, para os servidores civis, e de 30%, para os militares.
ROMBO
Os prejuízos decorrentes desses desvios chegariam a R$ 2 milhões. Com as fraudes que fazem sumir as antigas dívidas consignadas, o rombo seria bem maior: R$ 33 milhões. As instituições financeiras vítimas de tais golpes são os bancos BMG e Bonsucesso (hoje, Olé Consignados). Devido às fraudes ocorrerem nos sistemas de controle dos pagamentos (entre eles o SCMC, o Sistema de Controle da Margem Consignável), a suspeita é de envolvimento de funcionários do Banco do Estado do Pará (Banpará) e da Secretaria de Estado de Administração (Sead).
“Não tem como fazer isso externamente. Tem de ter a participação de gente desses órgãos”, disse uma fonte que pediu para não se identificar. Da mesma forma, observou, é impossível que os servidores públicos beneficiados pelo sumiço de suas dívidas e obtenção de um novo empréstimo desconheçam a irregularidade, já que o dinheiro vai parar nas contas bancárias deles e o desconto das novas parcelas incide sobre os salários que recebem.
As maiores concentrações de servidores públicos beneficiados pelas fraudes estariam na Secretaria de Estado de Educação (Seduc) e na Polícia Militar do Estado. Todos seriam efetivos, já que dificilmente são concedidos empréstimos consignados a funcionários comissionados. Só no BMG teriam sido detectados mais de 1.500 contratos de servidores beneficiados. No Bonsucesso, existiriam mais de mil. Em tese, todos esses funcionários públicos podem responder a processos administrativos disciplinares (PADs) e até perder seus empregos.
As fraudes teriam começado a ser detectadas no primeiro semestre de 2015, devido ao encerramento maciço de contratos de consignação recentes de funcionários da Fasepa, a Fundação de Atendimento Socioeducativo do Pará. Um cruzamento de informações permitiu constatar que o caso não estava restrito à Fasepa, mas atingia também outros órgãos. A primeira vítima foi o BMG, que viu seus contratos desaparecerem do sistema, o que permitiu que os funcionários públicos devedores contraíssem novos consignados junto ao Bonsucesso e ao Banco do Estado do Pará (Banpará).
Desde então, o BMG teria feito vários pedidos à Sead para investigar as possíveis fraudes, mas não obteve resposta. Outro problema é a possibilidade de que tais fraudes acabem gerando mais prejuízos ao Banpará, devido aos empréstimos que concedeu a partir de informações falsas. E, ainda, que instituições lesadas, como é o caso do BMG e Bonsucesso, entrem com ações judiciais contra o Governo do Estado, pedindo ressarcimento dos milionários prejuízos.
MODUS OPERANDI
Como funcionava o esquema
Segundo informações obtidas pelo DIÁRIO, são dois os modos de ação da quadrilha. No primeiro, pessoas ligadas a ela procuram servidores públicos que já possuem empréstimos consignados e não podem obter novos financiamentos, porque atingiram o limite da margem consignável. Os servidores recebem, então, a oferta de um novo consignado, em troca do pagamento de uma propina que chegaria a 50% do dinheiro novo. O contrato antigo que o servidor possui, e do qual só pagou ainda algumas parcelas, desaparece, então, do sistema informatizado de controle, como se houvesse sido liquidado. Assim, a margem consignável é liberada, para que ele possa obter novo empréstimo, em outra instituição.
O segundo modo de ação é o desvio puro e simples dos pagamentos mensais às instituições que concederam esses empréstimos. Através de uma alteração dos códigos bancários que identificam os destinatários dessas transferências, o dinheiro vai parar na conta de terceiros (uma empresa de fachada, por exemplo). A alteração é realizada no sistema informatizado do órgão onde o servidor trabalha, já que é dali que saem esses pagamentos.
Sead diz que já tomou as “providências necessárias”
Segundo informações obtidas pelo DIÁRIO, até agora apenas o Corpo de Bombeiros abriu uma sindicância para apurar o desvio do dinheiro. A investigação teria sido aberta em setembro deste ano, por determinação do comandante-geral, coronel Zanelli Antonio Melo Nascimento. Um oficial dos Bombeiros confirmou que há uma sindicância em andamento sobre o caso, mas não soube dizer se o desvio alcança, realmente, R$ 2 milhões. Já o chefe de Gabinete dos Bombeiros, tenente-coronel Luís Alberto, negou tudo. “Entrei em contato com o Departamento Financeiro e não há informações sobre isso. No nosso boletim geral, que é o ostensivo, também não há”, disse o tenente-coronel. “Mas existe o boletim reservado, que não pode se tornar ostensivo, até que se conclua a apuração. Então, se houver alguma coisa, não posso lhe passar, porque, como é reservado, só alguns têm acesso”.
Ele também disse que não poderia marcar uma entrevista da reportagem com o comandante-geral, “se você não tiver documentos comprobatórios, se for só especulação”.
O DIÁRIO entrou em contato com a assessoria do Banpará, que também negou tudo e não respondeu a um e-mail enviado pela reportagem. A Assessoria de Imprensa da Polícia Civil também negou que haja alguma investigação em curso, envolvendo uma grande fraude em empréstimos consignados. Mas a assessoria de Comunicação da Sead, embora não confirme os valores apontados, disse que a secretaria alertou a Polícia Civil e o Banpará sobre as fraudes e que ambos investigam o caso.
“A secretaria adotou todas as providências necessárias junto ao banco e também formalizou para a Polícia Civil que está com investigação em curso sobre o assunto. A Sead informa que desconhece e não ratifica os valores apontados pela reportagem”, diz a nota.
A reportagem também tentou contato com o BMG e o Bonsucesso, em São Paulo e Minas Gerais. O BMG disse apenas que “prefere não se manifestar neste momento”. Já no Bonsucesso, uma funcionária do setor de Consignação e Cobrança, disse que “esse assunto está sendo investigado internamente e não há informação para ser passada à imprensa ainda”.
(Ana Célia Pinheiro/Diário do Pará)